A linha do nada

Os limites que nos acompanham pela vida são, geralmente, tênues. Seja através das regras da sociedade, um ‘não’ que se escuta dos pais ou a compra negada no cartão de crédito. Na maioria das vezes, se lida e resolve cada um deles. Quantas vezes, por exemplo, você cruzou de município, estado, país e nem reparou? Um minuto no Brasil, outro na Argentina. Assim, simples.

Mateus de Borba, 37 anos, e Alice Christmann Bick, 61 anos, são vizinhos de porta de municípios diferentes, porém ilustram um problema que se arrasta há mais de 10 anos em Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires e parece longe de ser resolvido.

Os moradores das localidades de Monte Alverne, Linha Araçá, Linha Eugenia, Quarta Linha Nova Baixa, Linha Armando e Linha Seival têm um vínculo de uma vida toda com Santa Cruz do Sul. É essa a prefeitura que os atende. Máquinas para cuidados com as estradas, colégios eleitorais e títulos de eleitor, registros de veículos, e atendimentos de saúde. Tudo. Durante a vida toda essas pessoas são de Santa Cruz do Sul. Mas, existe uma única coisa que diz o contrário. As coordenadas geográficas as apontam como cidadãos de Venâncio Aires. E são elas que, cada vez mais, guiam as rotinas – através de mapas on-line, entrelaçados com as informações para serviços públicos e privados.

A questão de fato afetou a população após a localidade de Seival receber uma verba através de emenda parlamentar de R$ 800 mil pelo deputado federal Sérgio Moraes (PTB) para asfaltamento de um trecho de dois quilômetros, uma vez que ali passam muitos veículos que desviam o pedágio da RSC 287 e levantam muita poeira.

Crédito: Luis Alexandre Oliveira

“Quando foram mandadas as coordenadas do local para a execução da obra, houve o questionamento (do Governo Federal) do porquê estarem usando recursos de Santa Cruz do Sul  em Venâncio Aires”, explica o geógrafo da prefeitura de Santa Cruz do Sul, Edilson Pedroso Jr.

Foi aí que a burocracia passou a prejudicar a população dessa região e um dos dilemas é a reconfiguração da divisa, que passaria no meio de algumas propriedades e as dividiria, o que não é o correto.

Os moradores

São aqueles que estão emaranhados nos levantamentos intermináveis e que, após verem a verba para a região sendo aplicada em outro lugar, acumularam novos problemas. Alice, por exemplo, tinha acompanhamento da agente de saúde de Santa Cruz do Sul, porém, após se mudar para outra propriedade a poucos metros da antiga residência, a profissional não pode mais atendê-la. A aposentada que mora há 20 anos no local tem todas as contas e documentos ligados à Capital do Chimarrão. 

Mas para Mateus a situação muda. Ele precisa ter dois blocos de produtor rural, um em cada município, já que vende a produção de hortifrutigranjeiros também em Venâncio. Porém, ele afirma que, quando precisa de algum trabalho de maquinário em sua propriedade, não consegue que o serviço venha de Venâncio – cidade mais próxima – já que a documentação do seu terreno e casa estão ligados à Santa Cruz do Sul.

Crédito: Luis Alexandre Oliveira

 

Valdomiro José Schuster, o Nico, de 69 anos, mora em Linha Seival a vida toda, inclusive nasceu na casa da família. Quando perguntam onde ele mora, até brinca:

Sou da ‘linha do nada’, nem de Santa Cruz, nem de Venâncio.

O agricultor, que planta arroz, milho, tem criação e animais e ainda ajuda a esposa Lúcia Liane Schuster, 66 anos, na panificadora da família, comenta que até já usam a expressão ‘Venacruz’, uma junção dos dois municípios.

O casal lembra de quando foi feito o protesto em frente à casa deles, na época que a emenda não pôde ser aplicada na pavimentação da estrada da localidade. “Foram nove dias, colocaram veículos trancando a  passagem e ali várias pessoas ficaram em barracas durante esse tempo, mas de nada adiantou”, conta Lúcia. A esperança de Nico e Lúcia é de que agora, mais de 10 anos depois, o problema seja enfim resolvido e que possam, de fato, pertencer a Santa Cruz do Sul.

A alegria do casal e orgulho em viver na Linha Seival contrasta com a poeira que sobe e faz com que mantenham a casa e a panificadora fechadas frequentemente. Crédito: Luis Alexandre Oliveira

Moradora de Linha Armando, Ritielen Vicente da Silva, 31 anos, conta que está residindo na localidade há dois anos e deseja que a questão seja resolvida para evitar problemas futuros.

Ao fazer um financiamento bancário da linha rural, ela e seu marido foram questionados acerca de sua localização, uma vez que precisavam apresentar o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e os registros em cartório.

O CAR é um registro obrigatório para todos os imóveis rurais que unem as informações ambientais e funciona como um monitoramento do planejamento ambiental e combate ao desmatamento no Brasil. 

O CAR da propriedade consta como Venâncio Aires.

“Tivemos que identificar nossa localização no mapa e por coordenadas, e como eles também já entendem o caso, não tivemos entraves. Mas os impostos pagos e os documentos da casa são de Santa Cruz do Sul.”

Crédito: Arquivo pessoal

Onde começa?

Santa Cruz do Sul recebeu a primeira leva de germânicos em 1849, onde hoje está a Linha Santa Cruz. O processo imigratório seguiu acontecendo, até que o município foi emancipado de Rio Pardo por volta de 1870. O ex-secretário de Planejamento de Santa Cruz do Sul, advogado, também proprietário de terras e ex- morador de Linha Seival, Edison Rabuske, explica que em 1890, com base na delimitação dos lotes coloniais, foi feito o levantamento que deu origem às divisas iniciais do município.

Crédito: Arquivo pessoal / Edison Rabuske

Os registros em mapa da cidade foram revisitados em 1922, para fins informacionais e registro na prefeitura. 

Legenda: A área, em 1922, ainda constava no mapa da cidade de Santa Cruz do Sul, bem como demais municípios que foram emancipados posteriormente. Crédito: Edilson Pedroso Jr.

Edilson explica que foi em 1944 que o Governo Federal exigiu em lei que os limites deveriam ser descritos, com ajuste em nomenclaturas e divisas. Nessa leva, Santa Cruz virou do Sul, por existir outro município com esse nome. Ele acredita que a divergência entre os limites originam deste ano. Isso porque o Rio Grande do Sul não tinha base cartográfica própria, e com baixo conhecimento dos seus municípios, cada um dava as informações como tinham com base nas cartas cartográficas do exército, sem tecnologias usadas hoje como o GPS.

Legenda: Os 1416,6 hectares seguiam contando com serviços de Santa Cruz, mas fazem parte de Venâncio Aires. Crédito: Edilson Pedroso Jr.

O impasse emerge no Censo 2000, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) solicitou mapas digitais aos municípios, substituindo as cartas do exército por uma base cartográfica.

“Ao ver a situação de Santa Cruz do Sul, foi percebido a área de conflito. Na época o Estado foi procurado e o que prevaleceu era o que dizia a lei de 1944 e a prefeitura não deu muita bola na época, pois achavam que não mudaria em nada”, explica Edilson.

Porém, o problema adiado, começou aos poucos a ‘dar as caras’, já que toda a questão de organização burocrática e os dados usados para planejamento do país e distribuição de impostos vêm do IBGE. O Ministério da Integração Nacional, por exemplo, usa a base cartográfica para saber as coordenadas do local onde será executada determinada obra pública. 

O primeiro contato de Edilson com o levantamento teve início no fim de 2012, ao ser nomeado pelo município para atuar na prefeitura.

“Quando cheguei, já tinha um mapa pronto, só imprimi e quando fui falar com o IBGE me explicaram tudo, então percebi que o local precisava de mais muitas correções e que o trabalho precisava de muito mais dedicação e atenção.”

Por anos, a questão ficou paralisada, por falta de equipe e investimentos. Nos últimos meses, a prefeitura voltou sua atenção para a resolução burocrática, iniciando o levantamento para definir e solicitar a correção da divisa de Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires. 

Segundo o chefe da agência do IBGE de Santa Cruz do Sul, Luís Eduardo Braga, todos os levantamentos são feitos com base na Lei Nacional de Divisas, bases operacionais, mapas e imagens. Braga explica que o instituto não pode legislar sobre limites, principalmente os intermunicipais e interestaduais. Ou seja, cada estado da federação é responsável pela definição das suas divisas internas.

Braga reforça que os Censos de 2000, 2010 e 2022 foram feitos considerando a área de conflito como de Venâncio Aires. Mas, caso o impasse seja resolvido, após sancionada a lei, imediatamente a equipe entra em ação e passa as informações que foram contabilizadas para o município de Venâncio Aires para Santa Cruz do Sul.

“Por isso o setor censitário já foi muito bem dividido, assim não precisamos voltar novamente a campo.”

Sobre os motivos do não seguimento do processo na Assembleia, o IBGE não tem respostas:

“Sabemos que a Assembleia Legislativa tem normas que são amarradas à legislação federal e que existem problemas com desmembramentos, mas não sabemos dizer o porquê o arquivo gráfico não chegou ao fim nos anos 2000.”

Naquele momento, participavam do convênio a Metroplan, Assembleia Legislativa, IBGE e a Secretaria de Agricultura do Estado, que na ocasião cuidava destes impasses, hoje, o comando fica sob a Secretaria de Planejamento. Segundo Braga, o problema tinha sido detectado, mas os prefeitos dos municípios não priorizaram chegar a um acordo, com isso, o projeto não chegou a ir para a Assembleia.

“Na época o conflito já poderia ter sido resolvido.”

Ele lamenta o quão difícil é tratar sobre limites intermunicipais e corrigir os impasses.

“Temos muitos deles e outros ainda surgirão, e o papel do Estado é de corrigir por imagem ou satélite e designar os domicílios aos municípios corretos, no qual fazem parte.”

Um exemplo citado foi Boqueirão do Leão e Sério, que tiveram acordo entre moradores, gestores e Câmaras de Vereadores, que aprovaram a legislação em consenso e foram estabelecidos os limites. No entanto, o projeto foi para a Assembleia e o acordo até hoje não foi homologado. O limite entre Sinimbu e Santa Cruz do Sul também tem divisas abertas e seguem em debate. 

Santa Cruz conta com 8 pontos de divisa em aberto. Crédito: Edilson Pedroso Jr.

Os trabalhadores do IBGE usam desde 2007 um dispositivo de coleta para fazer o recenseamento: um smartphone com aplicativo de monitoramento por satélite continuo com imagem orbital do mapa censitário que mostra um descritivo de limite. Braga explica que o IBGE não pode corrigir desvios que são intermunicipais, apenas os dentro do município, como limites de ruas.

“Se o limite de um município é um rio, uma estrada, mesmo com o desvio de imagem, se obedece o que está ali no mapa; se o limite é aberto, uma linha reta e seca, um travessão, prevalece o que está na imagem sempre. A região pode ser Santa Cruz mas se aparece no mapa como Venâncio, é isso que vale.”

Ele comenta que incentiva os prefeitos e Municípios a reclamarem com o Estado sobre estes problemas e exigirem correções, para as pessoas serem contabilizadas conforme são atendidas ou se consideram do município de origem a vida toda. Isso porque as informações do Censo são usadas para planejamento de políticas públicas e perspectivas de população, como envelhecimento. O que hoje está contabilizado para Venâncio, pode, no futuro, voltar a ser inserido na contagem de Santa Cruz do Sul. 

O setor censitário é uma área delimitada para trabalho interno da equipe durante o Censo. A região onde atua o recenseador para coleta dos dados da pesquisa, como quantidade de pessoas e faixa etária. No último levantamento das informações do setor censitário das localidades do conflito (Censo 2022), a equipe que atuou foi de Venâncio Aires, já que a área pertence atualmente ao município.

O problema em números:

Censo20102022 ¹
Total de moradores 507526
Homens243 252
Mulheres264 274
Número de propriedades150

Fonte: IBGE.

¹ As informações de 2022 ainda são preliminares, podendo sofrer alterações.

Linha “do nada” vai virar “de Santa Cruz”?

A morosidade do processo impressiona a população:

“Já se passaram mais de 10 anos e o problema persiste. Os moradores de Seival estudavam em uma escola – José de Alencar – que existia lá e agora foi fechada há 20 anos, todos os serviços públicos são feitos pela gestão de Santa Cruz, posto de saúde também, as placas de veículos são de Santa Cruz do Sul, e os moradores inclusive votam em zonas eleitorais do município”, afirma Edilson.

O desejo do advogado Edison é que agora consigam dar fim a este problema.

“Como é o estado que regulamenta estas divisões, precisa ser aprovado na Assembleia Legislativa. Um abaixo-assinado com moradores já foi feito e não há questão política entre os municípios, é só a burocracia mesmo porque todos querem que isso se resolva.”

Ele ressalta que a situação é um exemplo da lentidão da máquina pública. Mesmo quando há a organização das comunidades e a união dos moradores, as decisões como essa acabam restritas à burocracia estatal, frustrando os cidadãos engajados nestas mudanças.

“Muitos acham difícil tomar a frente e fazer algo dar certo, acham demorado, e por isso, geralmente abandonam o ‘barco’ e os outros tomam a decisão por eles. Por isso nunca foi colocado e cobrado um prazo para a solução do problema. Não precisa ser assim.”

Passo a passo para atualização do limite:

  1. Com a parte técnica pronta e todo o levantamento feito, a equipe da Prefeitura de Santa Cruz do Sul se reúne para conversar com a equipe da Prefeitura de Venâncio Aires;
  2. Após, o topógrafo da equipe vai a campo para pegar as coordenadas exatas do limite. Hoje a equipe trabalha com coordenadas aproximadas, mas para envio ao Estado, precisam ser exatas, com milésimos de precisão e uso de GPS de precisão;
  3. Então é feito o memorial descritivo e o mapa final para mandar à Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul e à Câmara de Vereadores de Venâncio Aires;
  4. Com a aprovação dos dois legislativos, os prefeitos assinam e o material vai para a Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa;
  5. Lá a equipe de técnicos analisa para ver se está tudo correto. Edilson acredita que nesta etapa não terão problemas pois já tiveram contato com estes profissionais para agilizar e apresentar todas as justificativas;
  6. Com a aprovação dos técnicos o projeto é mandado para a Assembleia e os deputados estaduais votam;
  7. Após, tudo aprovado, o governador sanciona a lei e isso passa a valer.


A expectativa é de que o projeto seja enviado para as Câmaras de Vereadores em agosto. O objetivo é de também conseguir fazer antes, uma audiência pública para apresentação do projeto para a comunidade, para que todos tenham conhecimento.

Com a mudança feita, cada prefeitura vai se responsabilizar pelo seu trecho estabelecido em lei. Já em situações em que uma estrada for a divisa, será feito rodízio, de forma alternada cada município vai fazer a manutenção, ou então, cada prefeitura vai até o seu ponto de referência de limite. Também, serão colocados marcos, placas e concretos para demarcação.

Na  questão burocrática dos cartórios, algumas pessoas precisarão atualizar seus registros, mas isso não precisa ser feito de imediato. Quando aprovada a lei, fica registrado no cartório essa atualização em aberto, e quando for feita alguma averbação ou qualquer outra ação, automaticamente o município será modificado. Edilson acredita que esse serviço não terá custos aos moradores, pois essa questão vai além da vontade de cada um.

A vontade do geógrafo, é de depois de resolver o conflito municipal com Venâncio Aires, também resolver os outros limites em aberto de Santa Cruz do Sul com outros municípios. Ele exemplifica que cada vez mais as coordenadas geográficas estarão presentes no cotidiano das pessoas. Hoje, produtores de aves e suínos já dependem das coordenadas para ter o escoamento da sua produção, assim como a entrega de insumos é feita por este método. No futuro, almeja-se que o atendimento de urgência de saúde do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) seja feito também pelo código das coordenadas geográficas.

O geógrafo explica que nos Registros de Imóveis a dúvida do município não é levantada, uma vez que não dependem de informações georreferenciada – informações que dependem de localização digital.

Já o CAR, documento apresentado por Ritielen, foi de grande ajuda para Santa Cruz do Sul. Foram poucas as situações que encontraram moradores que não possuíam o cadastro, uma ou duas. Estes produtores não tinham o documento pois não necessitavam de financiamento.

“Neste quesito o CAR facilitou muito a nossa vida, senão teríamos que desenhar todas as propriedades e ir com o GPS em cada uma para delimitar o limite de cada terreno primeiro.” 

Os técnicos da prefeitura lançaram as informações em cima das referências de satélite (como o Google Maps, por exemplo) e pontuaram onde tinham casas e estradas. A partir daí, eles começaram a visitar cada residência. Seguiam em uma direção até encontrar casas com a matrícula de titulação registrada em Venâncio Aires, ali era o limite. E assim foram seguindo.

Atualmente, somente em alguns pontos que ainda não foram localizadas as propriedades de Venâncio e ainda necessitam ir a campo para realizarem vistorias.

“Com esses dados, tivemos uma ideia das propriedades para ir a campo, tínhamos o desenho do limite de cada terreno e íamos perguntando para as pessoas se o limite batia, e corrigimos quando necessário, mas a maioria fechou totalmente com a informação do CAR.” explica Edilson.

Crédito: Edilson W. Pedroso Jr.

Para realizar este levantamento, foi usado um programa chamado de Sistema de Informações Geográficas (SIG), que é um mapa com possibilidade de inserção de dados. No programa a equipe que trabalha na correção das divisas pôde lançar quadrados ou polígonos para representar as propriedades; linhas para estradas e pontos para adicionar informações associadas a algum lugar.

Ao fim, quando tudo estiver identificado, será possível traçar a linha da divisa, pois as informações de cada município serão divididas em cores e assim, ao meio será a divisa oficial dos municípios. Ao ter isso, o técnico vai a campo com GPS para pegar a coordenada precisa e cada ponto que formará a linha. 

Edilson acredita que quando o problema for resolvido, a questão da necessidade e asfaltamento no trecho volta à tona, devido também aos frequentes pedidos das comunidades.

A equipe que atuou e atua no levantamento é formada pelo técnico em topografia Fábio da Silva Machado, o topógrafo Willy Benites Treptow, o geógrafo Edilson Pedroso Júnior, e os estagiários são o William Limberger e o Jones Batista Veiga. A coordenação do trabalho começou com Paulo Eledir Back e agora é de Marcelo Azeredo Gaedke.

Na foto, o técnico em topografia Fábio da Silva Machado bate as informações para avançar na divisão. Crédito: Divulgação

O que diz Venâncio?

De acordo com a secretária de Planejamento e Urbanismo e Venâncio Aires, Deizimara Souza, já foi feita uma reunião entre a equipe do levantamento e as lideranças de Venâncio Aires, quando foi apresentado todo o trabalho de campo.

“Para nós, o trabalho é perfeito e estamos de acordo com tudo”, afirma. 

O próximo passo, segundo ela, é aguardar o fechamento do levantamento com os detalhes precisos e depois, ainda deve ser feita uma revisão conjunta entre as administrações municipais.

“A gente acredita e confia no que estão apresentando, é um trabalho sério e detalhado. Para nós é satisfatório participar desta resolução. O que não queremos é impactar de forma negativa na vida das pessoas que ali residem. Quem já é atendido por Venâncio, na saúde, educação, sindicatos, entre outras questões, continuará assim; e o mesmo vale para Santa Cruz do Sul.”

Capital do Chimarrão procura por cidadãos

Embora o município de Venâncio Aires esteja colaborando e de acordo com o trabalho da equipe de Santa Cruz do Sul, com a resolução do conflito deve ‘perder’ cidadãos. Isso porque os mais de 500 moradores daquela região, sairão dos números da Capital do Chimarrão e vão para Santa Cruz do Sul.

A queda no número de cidadãos pode, ainda, impactar em algo bem importante para Venâncio e que já preocupa a administração, já que no último Censo, o município diminuiu no número de habitantes. Com essa redução, o índice do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que destina recursos federais para as pastas municipais de acordo com o número de habitantes, também cai. 

A campanha ‘Venâncio cresceu e nós podemos provar’, encerrou no dia 28 de maio e não chegou no objetivo, faltaram mais de 400 habitantes para que Venâncio não perdesse R$ 4,5 milhões do FPM. O município, por estimativa do IBGE, tinha projeção de 72.373 habitantes, mas no Censo foram contados 68.444, conforme divulgação extraoficial do IBGE, o que deixa a Capital do Chimarrão com coeficiente de 2,4. Como o FPM é distribuído por faixas de população, essa pequena diferença, em dinheiro, significa R$ 4,5 milhões, que Venâncio recebe hoje, mas que deixará de receber. Se a projeção fosse confirmada, o coeficiente seria de 2,6, que corresponde a 71.317 até 81.504 habitantes.

Com a possível perda dos habitantes do setor censitário do conflito entre SCS/VA, a situação de Venâncio que já estava ruim, pode piorar, são ainda menos habitantes nesta conta. A dimensão do número de habitantes de uma cidade vai muito além dos números, ela representa também recursos vindos para o município.

Conflito ainda não chegou no Estado

A reportagem procurou a Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG) do Rio Grande do Sul para averiguar como está a situação no âmbito estadual. No entanto, a resposta foi que não constam na secretaria demandas ou pendências relativas ao trabalho de revisão do limite de Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires.

A equipe da Divisão de Geografia e Cartografia da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (DEPLAN/SUPLAN/SPGG) afirma que concluiu o processo de análise dos limites municipais de Santa Cruz do Sul em 2016. Uma vez concluído, o relatório foi encaminhado para o conhecimento das prefeituras e da Unidade Estadual do IBGE, juntamente com o mapa atualizado das divisas.

Com base no trabalho de campo, na pesquisa prévia da legislação e na consulta aos acervos cartográficos e históricos disponíveis, foram constatadas e relatadas algumas inconsistências que impossibilitam a correta localização dos elementos que definem os limites municipais.

Segundo o órgão há problemas evidentes com relação à confrontação de Venâncio Aires e Santa Cruz do Sul:

  • inexistência de vestígios da divisa entre antigos lotes coloniais referidos na lei;
  • descaracterização dos antigos travessões coloniais;
  • descontinuidade ou inexistência da numeração dos lotes, que inviabiliza a confirmação da localização;
  • fracionamento e novo desenho das propriedades rurais, efeito da dinâmica de ocupação do território e do tempo decorrido da emancipação;
  • não reconhecimento atual das toponímias das localidades constantes nos mapas antigos.


Com o apontamento e descrição destas inconsistências, a secretaria reportou que no momento é inviável o fechamento do limite do município de Santa Cruz do Sul, na sua confrontação com o município de Venâncio Aires, nos seguintes trechos:

  • Trecho regido pela Lei Estadual n. 3894/1959: “Da Nascente Arroio Guarimbezinho até o Arroio Castelhano”;
  • Trecho regido pelo Decreto-Lei n. 720/1944: “Da Estrada Monte Alverne – Venâncio Aires até o Arroio Taquari-Mirim”.


A equipe alega que não compete ao Poder Executivo Estadual a redefinição ou alteração dos limites entre os municípios.

“Constatada a incorreção ou desatualização da lei, que inviabiliza o reconhecimento do limite, é necessário observar o que está disposto na Lei Estadual n. 14.338/2013, que trata da correção de limites. Sendo assim, é prerrogativa dos gestores municipais providenciar nova documentação cartográfica e novo memorial descritivo, assinados por responsável técnico habilitado e seguir o rito de tramitação legislativa descrita nesta norma. Havendo justificativa técnica e o consenso entre os gestores sobre a nova descrição, isto não exclui a necessidade de consulta à Câmara de Vereadores de ambos os municípios e também à população residente afetada pela correção.”

A SPGG confirma que participa do processo de correção no que procede à análise e conferência da documentação em gabinete e, se necessário, realiza trabalho de campo. Feita a análise, os pareceres acerca do mapa e do memorial descritivo são remetidos à Comissão de Assuntos Municipais (CAM) da Assembleia Legislativa.

Caso haja necessidade de correções ou ajustes, os requerentes serão notificados, devendo a documentação retornar à CAM com as devidas correções, das quais terá vista a SPGG para manifestação final.

Não foi recepcionada pela equipe da SPGG, até a metade de abril, qualquer proposta oficial de correção de limite relativa à confrontação Santa Cruz do Sul/Venâncio Aires.